Vale Vêneto: O Armazém da Pulchéria.
Texto transcrito em dezembro de 2011 das anotações pessoais de José Nilo Vizzotto.
Na foto: Vale Vêneto/RS, vista do alto da serra, da comunidade de Linha Base, Silveira Martins/RS, em 22/01/2012.(Foto AGR)
Paulo Bortoluzzi foi o primeiro administrador e pessoa de estimada confiança dos primeiros italianos que residiam na nova colônia designada pelo governo. Desde o inicio, já planejava estradas para o escoamento das safras para um centro maior (Santa Maria), igrejas, descascador de arroz, estufas para fumo, armazenagens, carpintarias para fabricar carroças, portas e janelas, já que havia muitas construções (mesmo as de “pau a pique”) e todas precisavam de portas e janelas, nem que fosse do tipo “postigo”. As carpintarias também eram as responsáveis pelos “caixões de defuntos” (as urnas mortuárias).
Foi ele (Paulo Bortoluzzi) que abriu o primeiro e único armazém de “secos e molhados” em Sanga das Pedras (onde eu nasci). Mais tarde, vendeu para Victório Schilliatto, onde sua mulher tomava conta (administrava), ficando, então, conhecido por “Armazém da Pulcheria” (pronuncia-se Pulquéria) por ser seu nome. Por estar num ponto estratégico (passagem única de Vale Vêneto para Santa Maria e vice-versa pelo caminho de Sanga das Pedras, e, por outro caminho, precisaria subir a serra de Silveira Martins, aumentando o trajeto em mais de um dia).
Obs.: O armazém da Pulcheria, situava-se defronte a casa dos meus antepassados (minha avó Maria Roratto, onde nasci), bastando atravessar o caminho que liga Sanga das Pedras à Santa Maria, lógico que onde nós morávamos, não era na beira da estrada, mas sim, sempre um tanto para dentro da divisa com a estrada (+ ou – 200 metros) pois, reservava-se toda a frente das propriedades para potreiro ou plantações. Na frente da casa da Avó Maria, existia um grande potreiro, por isso, da estrada avistava-se a casa, que era enorme, pois abrigava 14 (quatorze) pessoas. Da estrada, ainda, podia-se avistar um enorme galpão e o engenho onde se moia a cana para depois ir para o alambique e produção da cachaça.
Já a minha casa (meu pai, mãe e eu) não podia ser vista da estrada, pois sempre em sua frente até a estrada, havia plantações, milho, mandioca ou mesmo cana. Mesmo porque não existia ligação com a estrada diretamente. Precisávamos passar pela casa da minha Vó e depois pela única e grande porteira defronte ao armazém.
Sob a administração da Pulcheria, o armazém começou a desenvolver e aumentar o movimento, visto que ela adotou o método de troca de mercadorias, por exemplo: recebia de um colono que produzia fumo em corda (rolo de fumo) e lhe devolvia a quantia combinada em tecido ou outros produtos que ele precisava. De outro, recebia um porco vivo ou já morto e limpo, trocando por café, sal ou mesmo, até aquele fumo que receberá anteriormente. Recebia também, galinhas vivas. Comprava através de trocas de mercadorias, até vacas e bezerros. Com isso aumentou em muito o movimento, pois mantinha sempre um bom e variado estoque. Atendia todos os dias e aos domingos até as 12 horas. Durante a semana, era servido em local próprio, aperitivo, pão com salame, queijo, copos de vinho ou cerveja caseira, café com mistura, frango frito ou mesmo “a lá minuta”. Isso tudo enquanto as eram preparadas ao comprador, ou para outros que somente queriam conversar.
Alguns dos transeuntes só queriam conversar e fazer aperitivos, pelo motivo de ser a Sanga das Pedras um pequeno córrego que cortava o caminho, dando passagem por dentro da própria água muito raso. Porém, quando chovia da Serra de Silveira Martins ou Ivorá, enchia o pequeno córrego, ficando completamente fora de seu leito, com a água muito suja, não sendo possível visualizar o fundo para a devida travessia. Nem se imaginava uma ponte. Daí, todo o movimento era no armazém, situado à margem direita do córrego. O armazém possuía um grande estábulo para acomodar carroças e animais, enquanto aguardavam baixar a água (dizia-se ”dar passo”). Em caso de muita chuva e não sendo possível a travessia no mesmo dia,m podia-se pernoitar nos cômodos do armazém, já que a construção era enorme e com várias salas, e, próximo ficavam as “patentes”, essa de madeira.
Com a chegada do ônibus misto (“jardineira”) para passageiros e carga viva (porco, galinha, etc.) por outro caminho (via Silveira Martins), o povo de Vale Vêneto e entorno, não passavam por Sanga das Pedras para ir até Santa Maria, deixando o armazém limitado para atender aos que ali ou próximo moravam (próximos eram: Santa Lúcia, Linha 7 (onde moravam os “Folettos”, pais da Dona Rita, esposa do Alfredo Moro).
Já esgotada e o pouco movimento, Pulcheria resolveu vender o estabelecimento. Minha Tia Ilda (que morava defronte) que costurava muito e tinha sua clientela e, querendo casar-se (Tio Marcelo) convenceu meu Pai (Odino) para que juntos (ela, Odino e Marcelo) comprarem o armazém. Desta forma, o Tio Marcelo teria uma atividade e ela teria maior espaço para as costuras. Depois de longas negociações e muitas propostas, compraram. Já casados, passaram a morar nas dependências do armazém, que era muito grande. O Tio Marcelo, não se adaptou ao balcão. Não tinha paciência em esperar pelos fregueses, que já haviam sumido há muito tempo, e os que apareciam, acabavam enxotados, pois o Tio não lhes dava atenção ou queria que comprassem o que lhes oferecia e não o que realmente precisavam. Tio Marcelo resolveu trabalhar de pedreiro com meu Pai, deixando a Tia Ilda sozinha, já com filho pequeno (recém nascido). Logicamente, não era possível para minha Tia, com todos os afazeres de casa, filho pequeno, roupa, comida, costura e o atendimento no armazém. Aos poucos virou em nada. Eu mesmo lá fui buscar alguns mantimentos que minha Mãe (Helena) me mandava e acabava voltando com a mala de garupa vazia, quase nada mais havia. Então, acabou por ser vendido para nossos vizinhos e amigos de meus antepassados, os irmãos Antônio e Candinho Marin.
O Tio Marcelo e a Tia Ilda forma morar em Santa Maria. Meus pais e eu fomos para São João do Polesine (não posso precisar a minha idade, mais sei que era muito pequeno). E assim acabou o “Armazém da Pulcheria”. Só restou recordações daquele lugar maravilhoso. Em 1992 passei por lá e o prédio ainda existia.
Voltando a falar de Paulo Bortoluzzi: Depois de algum tempo, voltou para a Itália juntamente com o Vernier (vizinho do meu Avô Dota) para recrutar mais gente e alguns padres da ordem dos Palotinos a fim de ajudarem no desenvolvimento da nova Colônia. Pela necessidade de muitos documentos, o que se tornava muito difícil para eles, Paulo Bortoluzzi idealizou a abertura de um Cartório em Ivorá, tornando-se, assim o primeiro Cartório da Região. Cartorário: Sr. Alexandre Pasqualini (1908). Os filhos de Alexandre: Ângelo, Abílio, Alberto, Paulina e Marieta, esta casada com o Guerner Parari, que se tornou o titular do Cartório. Mais tarde vendeu para Paulo Magoga, que existe até hoje em Restinga Seca, onde fui registrado (em 1992 Jorge Magoga).
Transcrito de minhas anotações de agosto de 1992 em setembro de 2011.
Obrigado
José Nilo Vizzotto
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